29 Março 2024

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O inquérito ao Naufrágio do Navio “Vicente” e as Trapaças da AMP

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O relatório final de investigação ao naufrágio do navio Vicente, no porto de Vale de Cavaleiros, pouco ou nada trouxe de novo. Esse inquérito aponta como um dos factores principais desse acidente a negligência grosseira do capitão. Entretanto a AMP não perdeu tempo, e aproveitou a oportunidade para presentear a sociedade com um belíssimo pacote de propaganda, pouco se importando se para trás ficou um enorme rio de sangue. Afinal, quem era o capitão do navio Vicente?  Era um indivíduo que não estava apto a comandar nenhum tipo de navios. A AMP cometeu uma negligência grosseira ao permitir que ele embarcasse sem a Cédula Marítima, o Certificado de Aptidão Física, o Certificado Provisório de Segurança de Passageiros, Carga e Integridade do Casco em Navios Ro-Ro de Passageiros; o Certificado Provisório de Gestão de Crises e Comportamento Humano e sem o Certificado Provisório de Controlo de Multidões. Qualquer capitão cabo-verdiano estava melhor posicionado para comandar esse navio. O presidente da AMP mentiu quando disse que a escolha desse indivíduo se deveu à carência de quadros nacionais qualificados.  A AMP cometeu uma negligência grosseira ao permitir que esse indivíduo embarcasse, sem que antes fosse submetido a uma avaliação médica, atendendo a que tinha acabado de sofrer um grande choque emocional com o encalhe do navio Pentalina B. O Certificado de Aptidão Física é um atestado médico, emitido pela Delegacia de Saúde, que prova que um indivíduo se encontra em perfeitas condições físicas e mentais, para exercer uma determinada função, nesse caso, a bordo de um navio. De acordo com os depoimentos dos tripulantes, o capitão poderia estar abalado no seu poder de raciocínio. Onde está o Certificado de Aptidão Física para provar a sanidade do capitão? Qual foi a delegacia de saúde que o sancionou? A quem deverá ser atribuída a responsabilidade?  Esse indivíduo nunca se identificou como marítimo. Nunca apresentou a indispensável cédula marítima (artigo 339° do Código Marítimo de Cabo Verde e artigo 11° do Regulamento de Inscrição Marítima).  A legislação marítima cabo-verdiana não permite que cidadãos estrangeiros desempenhem o cargo de capitão em navios de nacionalidade cabo-verdiana, artigo 346° do Código Marítimo de Cabo Verde, pelas seguintes razões: Além de responsabilidades náuticas, o capitão também tem responsabilidades públicas e administrativas, nem sempre conhecidas pelo cidadão estrangeiro. Trata-se de um cargo de confiança nacional, exigido pela maioria dos países, visto que o capitão também representa o Estado da Bandeira.  O artigo 137° do Código Marítimo de Cabo Verde diz que o capitão só poderá ser sancionado, caso seja cidadão cabo-verdiano. Portanto, não sendo esse indivíduo cidadão cabo-verdiano, caso saísse ileso dessa catástrofe e ficasse provada a sua culpa, não se sabe até que ponto ele poderia ser responsabilizado. O armador do navio Vicente esteve muito mal aconselhado pelos dois inspectores da AMP que foram examinar o navio na Croácia. O inquiridor vai mais longe quando diz que esse navio nunca deveria ter saído da Croácia, o que quer dizer que o mesmo não estava em condições de navegar. Foi o próprio quem garantiu à Seguradora Ímpar que não havia condições para o seguro do casco e máquinas desse navio. O navio Vis (nome do navio Vicente sob a bandeira da Croácia) foi, em 2010, desactivado e condenado à sucata porque já não estava em condições de navegar. Em 2011 foi comprado, a preço de sucata, por um cidadão francês, em conluio com o ex-IMP, hoje AMP, e trazido para navegar nos mares de Cabo Verde, com total indiferença pela vida do cidadão cabo-verdiano, como se este fosse filho de um deus menor. A AMP, do alto do seu pedestal, ignorou todos os avisos e, agora, após a catástrofe consumada, pretende esconder-se de forma manhosa, por trás de um inquérito, a ver se ainda vai a tempo de salvar a honra do convento. Esse inquérito deixou claro que a AMP concedeu todas as facilidades ao armador, tendo chegado mesmo a colaborar na falsificação de documentos, passando grosseiramente por cima da Lei. Não é justo descarregar todas as mazelas por que passa a Agência Marítima e Portuária, em cima das costas do Comandante João Brazão, e deixar de fora todo o Estado-Maior da AMP que, afinal, é quem delibera. O Comandante João Brazão foi o único membro da Capitania dos Portos de Sotavento que demonstrou frontalmente a sua discordância em relação ao desembarque de capitães e oficiais cabo-verdianos, devidamente documentados, e ao embarque, às altas horas da noite, de estrangeiros indocumentados. O Comandante João Brazão foi a única autoridade da AMP que teve a coragem de demonstrar a sua discordância em relação à escolha desse estrangeiro para o cargo de capitão do navio Vicente, visto que ainda decorria o inquérito ao encalhe do navio Pentalina B onde, na ocasião, esse senhor desempenhava o cargo de capitão. Infelizmente, perante as ordens do almirantado, mais uma vez, ele nada pôde fazer. Também não é justo que o agente da Polícia Marítima, Sr. João Silva, seja escolhido como o bode-expiatório das desavenças existentes entre a AMP, a Capitania dos Portos de Sotavento e a Polícia Marítima. É voz corrente no Porto da Praia que o Comando da Polícia Marítima vinha sendo desautorizado por essas duas instituições. A deficiente actuação das autoridades na acção inspectiva ao navio Vicente começou na Croácia há quatro anos, quando dois inspectores da AMP aprovaram a compra desse navio. Aí é que houve negligência grosseira. 1. Quem foi que autorizou a aquisição de um navio desactivado e condenado à sucata? 2. Quem foi que liderou as inspecções tanto na Croácia como em Cabo Verde? 3. Quem foi a autoridade que passou o certificado de navegabilidade a um navio, obsoleto e condenado à sucata, apesar de não ter merecido a confiança das seguradoras? 4. Quem foi a autoridade que violou a legislação marítima nacional e internacional, ao permitir que cidadãos estrangeiros, que nem sequer se identificam como marítimos, desempenhassem cargos, ao mais alto nível, na marinha mercante cabo-verdiana, em flagrante violação ao artigo 346° do Código Marítimo de Cabo Verde? 5. Quem foi a autoridade que ordenou o desembarque de capitães cabo-verdianos, devidamente documentados, e legalizou o embarque de cidadãos estrangeiros indocumentados? No caso do navio Vicente, o capitão, o imediato e o chefe de máquinas, todos de nacionalidade cubana, nunca conseguiram identificar-se como marítimos. 6. Quem foi a autoridade que falsificou a lista de tripulação no sentido de facilitar cidadãos estrangeiros? Quando em Maio de 2012 o signatário denunciou o facto de um cidadão estrangeiro ter estado a desempenhar o cargo de chefe de máquinas no navio Pentalina B, sem a posse da cédula marítima, o IMP não perdeu tempo e falsificou a lista de tripulação, atribuindo o número da cédula de um oficial de máquinas cabo-verdiano a esse cidadão estrangeiro. Como essa falcatrua foi prontamente detectada e denunciada, a AMP resolveu mudar de estratégia e fazer nova falsificação na Lista de Tripulação, introduzindo, ilegalmente e de forma premeditada, o número de Passaporte e Bilhete de Identidade, passando deliberadamente por cima da Lei. A AMP adulterou propositadamente um documento oficial da República de Cabo Verde, para servir interesses obscuros. 7. Quem foi que permitiu que o Vicente saísse da Praia com 119.670 toneladas de peso a mais? O signatário já tinha afirmado, através do “A Semana” de 23/01/15, que o navio se encontrava sobrecarregado pois, embora estivesse adernado para estibordo, a marca de seguros de bombordo encontrava-se totalmente mergulhada. A tese segundo a qual as autoridades foram enganadas é falsa, visto que 60% de peso a mais não é algo que passe despercebido. 8. Quem aprovou que o navio pudesse transportar contentores em atrelados, sem que antes fosse submetido a um novo estudo, visto que o mesmo fora concebido para o transporte de viaturas e que essa mudança iria afectar profundamente a estabilidade? Onde está o projecto de estabilidade para essa nova condição de carga? Quanto às medidas que pretende implementar em relação à segurança, é lamentável que o Governo, após ter feito, durante anos, orelhas moucas em relação aos vários alertas, só tivesse despertado da sua profunda letargia após ter contribuído para uma grande tragédia que vitimou 15 pessoas. Não há dúvidas que para as autoridades marítimas cabo-verdianas (MIEM e AMP) a vida humana no mar não tem qualquer valor. Valeu pela propaganda. O signatário tem plena consciência dos perigos que envolvem estas denúncias mas, ainda assim, sente-se na obrigação de fazer a sua parte, para que tragédias desta natureza não se repitam, devido à negligência grosseira das autoridades. Também sabe que o poder tem sede de poder, e é capaz de cometer as piores atrocidades para não perder o poder. Por isso é que todas as provas já se encontram em lugares próprios, por precaução, caso alguém pretenda fazer justiça com as próprias mãos. Os prováveis interessados estão todos identificados. Caiu por terra a tese defendida pelo ex-presidente da AMP, Sr. José Fortes, segundo a qual o articulista nutre um ódio infernal pelo IMP/AMP. A verdade é como o azeite. Acaba sempre por vir ao de cima. Praia, 06 de Maio de 2015. * /Oficial de Marinha Mercante/

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