28 Março 2024

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Países e organizações impulsionam reconstrução de Chã das Caldeiras: 96 mil contos para dar nova vida aos desalojados

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Construir um novo povoado para os deslocados de Chã das Caldeiras é a principal prioridade do Governo agora que, três meses depois, a erupção vulcânica chegou ao fim. Os primeiros esboços deste novo assentamento começam a ser desenhados no Fórum de Reconstrução do Fogo que arranca esta segunda-feira, na cidade de São Filipe. Neste momento, todos perguntam: onde estão os apoios e donativos que países e instituições mandaram para as gentes de Chã das Caldeiras? Quantias avultadas já estão no país, outras continuam a chegar, mas ainda aguarda-se os quase 150 mil contos prometidos pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Timor-Leste e União Africana. China, Argentina, Angola, Brasil, França, Japão, Espanha, Estados Unidos da América, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Portugal, onde ainda decorrem campanhas de solidariedade, foram os primeiros a acudir ao apelo do Governo. Também a União Europeia, a UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) estenderam a sua mão solidária ao povo de Cabo Verde. Neste momento quase um milhão de dólares (perto de 96 mil contos) já deram entrada nos cofres do Tesouro. Os donativos que foram canalizados directamente para a Cruz Vermelha garantem neste momento o essencial para os 1076 afectados pela erupção vulcânica. Mas as promessas monetárias feitas por Timor-Leste, Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e União Africana ainda estão por cumprir. O primeiro a responder ao apelo lançado pelas autoridades nacionais foi o Comité Internacional da Cruz Vermelha. A 12 de Dezembro, 19 dias após o início das explosões, a instituição entregou à sua congénere cabo-verdiana cerca de 5.500 contos em dinheiro. A Sociedade Nacional da Cruz Vermelha de Luxemburgo enviou 20 mil euros (2.205 contos), montante aplicado na gestão dos Centros de Acolhimento e das equipas de Protecção Civil. A Cruz Vermelha de Cabo Verde diz que já recebeu nas três contas que possui nos bancos nacionais cerca de 16 mil contos. A soma inclui também algum esforço nacional. Boa parte dos deputados concordaram em doar à Cruz Vermelha 380 contos, valor que corresponde a um dia do seu salário. Câmaras municipais, empresas e pessoas individuais também se solidarizaram com os afectados, fazendo donativos e disponibilizando recursos financeiros. A Câmara Municipal da Praia já enviou para a Cruz Vermelha as receitas arrecadadas no concerto beneficente em que participaram vários parceiros e artistas nacionais de relevo. Já a edilidade de Santa Catarina de Santiago enviou cerca de uma tonelada em géneros alimentícios, produtos de higiene e vestuário, além de um cheque no valor de 40 mil escudos, fruto da campanha “Um abraço para a ilha do Fogo”, na qual se engajaram vários parceiros: Cáritas Paroquial, Comando Regional da Polícia Nacional, Assocação Cabo-Verdiana de Auto-promoção da Mulher (Morabi), Centro de Juventude, Associação dos Filhos e Amigos do Fogo e Igreja do Nazareno. Sector empresarial presente A Enacol entregou à CVCV um cheque no valor de 1.764 contos, que resultou da campanha “Abastecimento Solidário” realizada nos seus postos de venda de combustíveis em todo o país durante o mês de Janeiro. A esta “ajuda” a Enacol juntou mil litros de combustível que disponibilizou desde a primeira hora para o transporte de pessoas de e para Chã das Caldeiras. A Vivo Energy doou por duas vezes consecutivas mil litros de gasóleo para ajudar na evacuação dos moradores e garantiu o transporte de mais de uma tonelada de géneros alimentícios. O Banco Cabo-Verdiano de Negócios apoiou as vítimas com 1.800 contos. O montante foi entregue ao presidente da Cruz Vermelha no dia 7 de Fevereiro, dia em que o banco celebrava o seu 10º aniversário. Desse montante, 1.300 contos foram arrecadados junto dos clientes. Os restantes 500 contos são um donativo do próprio BCN. A título individual, trabalhadores de empresas como Enapor, ASA e Cabnave realizaram uma campanha solidária para os desalojados. O total dos subsídios recolhidos na Enapor somou 371 contos e na ASA mais de 1.232 contos. Mário Moreira, presidente da CVCV, explica que no que toca a bens alimentícios a instituição já contabilizou 30 mil toneladas de produtos. As ofertas vieram de câmaras municipais nacionais e de edilidades portuguesas, como é o caso de Cascais, que doou um contentor de produtos. Os bombeiros sapadores de Faro também organizaram uma campanha humanitária, em parceria com a UCCLA. A corporação criou uma lista de bens de primeira necessidade – rádios, geradores, tendas insufláveis, reservatórios de água, casas de banho portáteis, macas, cobertores, lençóis, kits de primeiros-socorros, máscaras, óculos de protecção, compressas, toalhas, adesivos, entre muitos outros materiais. Mário Moreira destaca igualmente os donativos expressivos enviados das comunidades cabo-verdianas no exterior, designadamente de New Jersey, nos EUA. “O dinheiro recebido de New Jersey, à volta de 240 contos, veio com indicações de que 900 dólares deviam ser disponibilizados à igreja paroquial. As duas outras fracções de 900 dólares iriam para os centros de Monte Grande e Achada Furna”, pontua. Apesar disso, o presidente da CVCV apela às pessoas e instituições para continuarem a ajudar porque os produtos em stock para as cestas básicas só chegam para mais um mês. A Federação Internacional de Futebol (FIFA) está disposta a construir um complexo desportivo para a nova comunidade que vier a ser erguida na ilha do Fogo, projecto que passará pela Federação Cabo-Verdiana de Futebol. Há também a promessa do Sport Lisboa e Benfica de edificar uma escola na mesma localidade. Depósitos no Tesouro Mais gorda está a conta bancária que o Governo mandou abrir no Tesouro para acolher donativos. Da China recebeu 500 mil dólares (48.050 contos) e da CEDEAO veio 300 mil dólares (28.830 contos). A Espanha doou a Cabo Verde 25 mil euros (2.756 contos), através do Fundo de Reservas de Emergência da Federação Internacional da Cruz Vermelha. Dos Estados Unidos da América chegou um cheque de 300 mil dólares (28.830 contos), da Guiné Bissau 50 mil dólares (4.805 contos), do IAO -Instituto da África Ocidental 100 mil contos. São Tomé e Príncipe enviou para o nosso país 65 mil euros (7.167 contos), dos quais 5.513 contos foram oferecidos pelo Governo e 1.653 contos de pessoas colectivas e individuais. A União Europeia disponibilizou 3 milhões de euros (330.795 contos) e a Holanda – mais concretamente a nossa diáspora, organizações não-governamentais e o sector privado, com o envolvimento da Embaixada de Cabo Verde – mandou 1.411 contos. A nossa diáspora nos Estados Unidos da América, ongs e sector privado (com a colaboração da nossa Embaixada naquele país) mobilizou, através de várias campanhas, entre 24 e 30 mil dólares (2.306 a 2.883 contos) que enviou à Associação dos Municípios do Fogo. Este montante já deu entrada na conta conjunta aberta logo após a erupção pelos três municípios da ilha. Pendentes Mas em alguns casos, a assistência e o auxílio não passaram ainda de promessas. É o caso da ajuda financeira prometida pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) no montante de 1 milhão de dólares (96.100 contos). O dinheiro ainda continua indisponível. Os 500 mil dólares (48.050 contos) que Timor-Leste prometeu e os 100 mil dólares que a União Africana (UA) comprometeu-se a enviar ainda não chegaram. A Associação Amizade Angola-Cabo Verde ainda tem em curso uma campanha de angariação de fundos, promovida por cabo-verdianos residentes naquele país-irmão, ONGs e sector privado, com o apoio da representação diplomática. Mais céleres foram os nossos conterrâneos e organismos de Espanha, que logo nos primeiros dias da erupção vulcânica enviaram à Cruz Vermelha 16 mil máscaras descartáveis de alta filtragem, géneros alimentícios, roupa, brinquedos, materiais escolares e ajuda financeira. Na Alemanha também decorre uma campanha promovida pela nossa diáspora e pela Associação de Hamburgo. Os nossos conterrâneos em Portugal enviaram peixe congelado e leite – uma ajuda da empresa Luís Silvério – enquanto os residentes em Itália expediram vestuário, cobertores, material escolar, sapatos para crianças, brinquedos, alimentos não perecíveis, colchões e utensílios domésticos. Paralelamente, a embaixada de Cabo Verde em Roma está a coordenar uma campanha para recolha de ajudas financeiras. Ofertas concretizadas O presidente do Gabinete de Crise diz que o último levantamento feito por este organismo mostra que perto de um milhão de dólares (96.100 contos) já estão depositados na conta aberta pelo Estado no Tesouro. Entretanto, esperam a primeira colecta da retenção de 0,5% do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o que deverá acontecer em finais deste mês de Fevereiro ou nos primeiros dias de Março. Segundo Antero Matos, a previsão do Ministério das Finanças é de que em um ano estes 0,5% do IVA vão contribuir com 350 mil contos para a conta dos desalojados de Chã das Caldeiras. Mas o Gabinete de Crise é mais cauteloso e estima que a colecta ficará entre os 200 e os 250 mil contos. O Governo projecta gastar em torno de 20 milhões de dólares (1.922 mil contos) para reconstruir, num prazo de 18 meses, um novo povoado para os habitantes de Chã das Caldeiras desalojados pela erupção e fornecer-lhes os bens essenciais. Porém, não cabe neste montante o que vai para as grandes infra-estruturas. Gestão das ajudas O controlo dos produtos alimentares e de limpeza, utensílios domésticos e outros é feito pelo Serviço Nacional de Protecção Civil (SNPC), em estreita articulação com as câmaras municipais do Fogo e a Cruz Vermelha. Um programa informático regista todas as entradas e saídas do armazém. A equipa de gestão conta ainda com aconselhamento técnico na área de nutrição para fazer as cestas básicas, conforme a composição do agregado familiar e tendo em conta o tratamento diferenciado que se deve dispensar a crianças e idosos. O presidente do Gabinete de Crise confessa que as ajudas em géneros não chegam para cobrir as necessidades das famílias, daí que a dieta é complementada com alimentos adquiridos no mercado local, como peixe, carne, verduras, com verbas do Orçamento do Estado. Uma política que visa respeitar os parâmetros do Programa Alimentar Mundial que estabelece: “a alimentação de uma pessoa por mês situa-se nos 60 dólares”. Mas as despesas com os deslocados superam de longe este montante. Antero Matos lembra que o número de afectados já identificados chega aos 1076 indivíduos. Desvios Apesar dos cuidados, o Gabinete de Crise não está isento de críticas. Fala-se em desvios – como no caso de nove televisores que estavam colocados nos Centros de Acolhimento e de dois geradores. Mas Antero Matos explica que, com a desactivação desses centros, os televisores foram recolhidos pelas câmaras municipais. Quanto aos geradores, o presidente do Gabinete de Crise garante que receberam apenas oito desses equipamentos, quatro por via aérea e quatro via marítima. “O documento da Alfândega do Porto de Vale dos Cavaleiros aponta a entrada de quatro geradores via marítima. Mas porque alguém disse que viu seis geradores no cais do Fogo quisemos apurar, dai o SNPC ter participado a ocorrência à Polícia”, explica Matos, lamentando a inexistência de manifestos de carga tanto das aeronaves quanto dos navios que trouxeram a ajuda de Angola. Grande parte das famílias que se encontravam alojadas nos Centros de Acolhimento de Achada Furna e Monte Grande foi transferida para as casas construídas por altura da erupção de 1995, informa Antero Matos. As restantes foram alojadas em residências arrendadas às expensas do Estado, ou seja, os aluguéis são suportados por verbas inscritas nos orçamentos dos ministérios do Ambiente e da Juventude, Emprego e Desenvolvimento dos Recursos Humanos. “Restam apenas quatro famílias em Achada Furna a viver em tendas porque não há casas disponíveis nas redondezas e estas têm resistido a viver longe dos demais integrantes da comunidade. Mas continuamos a procurar soluções para oferecer habitação condigna a essas famílias”, assevera Antero Matos. A proposta do MPD no sentido de o Governo disponibilizar as residências do programa Casa para Todos não se concretizou porque “não houve necessidade de se recorrer a esta solução que seria extrema”, diz o presidente do Gabinete de Crise. Matos afirma ainda que a tipologia dessas casas não é a mais adequada. Por outro lado, a ocupação dessas residência poderia acarretar prejuízos a terceiros, segundo avaliação do Gabinete de Crise. “As casas construídas em 1995 vão ser reabilitadas e ampliadas até três quartos, conforme o tamanho do agregado familiar. Serão dotadas de uma casa de banho e de uma cozinha condignas. As empresas que executarão estas obras, por ajuste directo, já estão na posse do caderno de encargos. Infelizmente, os recursos para custear esta obra, prometidos pelo Banco Mundial, ainda não entraram no Tesouro. Mas o Governo já instruiu o Gabinete de Crise para avançar rapidamente com a empreeitada”, conclui. Fórum desenha novo assentamento e eixos de desenvolvimento Governo e organismos públicos, municípios do Fogo, eleitos nacionais e locais, organizações não-governamentais, representantes do Sistema das Nações Unidas e sociedade civil reúnem-se esta segunda e terça-feira – 2 e 3 de Março –, no Fórum para a Reconstrução do Fogo. A conferência a ter lugar no Centro de Emprego e Formação Profissional de São Filipe, sob a direcção do Primeiro-Ministro, José Maria Neves, vai traçar as linhas para a recuperação das zonas afectadas pela erupção, para além de definir os eixos de desenvolvimento económico de Chã das Caldeiras. Ponto de destaque no programa é o novo assentamento populacional para as gentes da Chã. Com este encontro o Governo pretende proporcionar pistas para o incremento do sector económico-agrícola, incluindo as vertentes agro-pecuária e agro-industrial das zonas altas. Também outras valências vão assentar arraiais entre as gentes da Chã: turismo, artesanato... Mas também virão as infraestruturas. O Executivo espera ainda identificar as vias para reforçar os serviços sociais de base como saúde, nutrição, educação, água e saneamento. “Vamos consensualizar o modo de utilização do interior da cratera e contribuir para o reforço das capacidades nacionais e locais na prevenção de riscos e recuperação dos efeitos de catástrofe”, diz o presidente do Gabinete de Crise. O debate será dividido em três painéis. O primeiro, “Prevenção de Riscos e Resposta a Catástrofes”, debruçar-se-á sobre Cartografia de Risco da Ilha do Fogo e Capacidades de Prevenção de Riscos, Respostas e Recuperação dos Efeitos. O segundo, “Satisfação das Necessidades Básicas da População Afectada”, vai focar nas áreas da saúde, nutrição, educação, energia, água e saneamento. Já o terceiro, “Intervenção no Sector Económico para a Recuperação do Fogo”, pretende esmiuçar a estratégia para a reconversão do tecido produtivo agro-pecuário e do sector não agrícola. E o turismo surge aqui com uma grande força. O novo assentamento populacional é outro tema incontornável. Todos os painéis terão um facilitador que orientará as discussões e promoverá a interacção entre os participantes, tendo como pano de fundo a consciência de que Chã das Caldeiras mantém ainda o essencial das potencialidades económicas que levaram as pessoas a fixarem-se ali. Antero Matos entende que, apesar da destruição de mais de 230 edificações (casas, escola, igrejas, adega, instituições hoteleiras e a sede do parque natural) e 420 hectares de terra – dos quais 120 hectares são terrenos muito férteis – a localidade vai continuar a “buscar a sua centralidade no processo de reconversão do tecido produtivo da ilha do Fogo”.

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